Por Peter Schiff
Com o anúncio, de que o Federal
Reserve irá "aumentar sua política de acomodação monetária comprando
títulos hipotecários a um ritmo de US$40 bilhões por mês", o presidente da
instituição, Ben Bernanke finalmente — e decisivamente — jogou suas cartas na
mesa. E confirmando aquilo que eu venho dizendo há anos, tudo o que ele
tinha para apresentar no final era mais do mesmo: retórica e vácuo.
Indo mais longe do que jamais fora
até então, ele deixou claro que irá, de maneira permanente, amarrar a economia
americana a uma estratégia perdedora. Como resultado, o dia 13 de
setembro de 2012 pode ser considerado o dia em que os EUA finalmente jogaram a
toalha.
Eis um esboço do plano do Fed:
comprar centenas de bilhões de hipotecas anualmente com o intuito de reduzir os
juros das hipotecas e, com isso, estimular os preços dos imóveis, desta forma
encorajando as pessoas a construir e a comprar imóveis. A ideia por trás
de tudo é repetir exatamente o mesmo erro consumista que causou a crise: sempre
que seus imóveis se apreciarem, o indivíduo deverá ir ao banco e, utilizando
como colateral a valorização do seu imóvel, conseguir uma linha de crédito para
gastar com bens de consumo.
Adicionalmente, o Fed espera que esse
dinheiro extremamente barato irá estimular os preços das ações de modo que Wall
Street e demais compradores de ações se sintam mais ricos e saiam gastando
desvairadamente. É claro que ninguém do Fed irá admitir que essa é a
intenção, mas, em vez de construir uma economia baseada na produtividade, na
produção e na acumulação de riqueza, Bernanke está tentando construir uma nova
economia baseada na alavancagem, na confiança e em preços crescentes de ativos.
Em outras palavras, o Fed prefere a ilusão do crescimento à
reestruturação necessária para permitir o crescimento genuíno.
O problema que passou despercebido
pelos jornalistas é que tal estratégia não tem nada de nova: ela já foi tentada
antes e terminou em desastre. Foi uma política monetária frouxa o que
criou a bolha imobiliária e a bolha do mercado de ações da última década, cujos
estouros quase destruíram a economia americana. Aparentemente, para Bernanke
e sua corte, "quase" ainda não é o bastante. É preciso
mais. Por isso, eles estão de volta com tudo, ávidos para finalizar o
serviço que ainda não conseguiram realizar. Mas, desta vez, eles estão
portando armas de calibre muito maior. Não somente eles querem derrubar
os juros das hipotecas para níveis históricos, como também irão comprar todas
as hipotecas!
Ano passado, o Fed lançou a chamada
"Operation Twist", a qual havia sido criada para reduzir as taxas de
juros de longo prazo e, com isso, tornar mais plana a curva de rendimento dos juros [tecnicamente chamada de yield curve ou até mesmo
de 'estrutura a termo das taxas de juros']. Sem criar qualquer benefício real
para a economia, a medida expôs os pagadores de impostos americanos, bem como
todos os detentores de ativos denominados em dólares, aos riscos de se reduzir
a data de vencimento de US$16 trilhões da dívida do governo americano.
Tal reposicionamento serviu apenas para deixar o Tesouro ainda mais exposto às
inevitáveis consequências dolorosas que ocorrerão quando houver um aumento nas
taxas de juros.
No entanto, as políticas anunciadas
na semana passada causarão ainda mais estragos do que a "Operation
Twist". Não tenha dúvidas: qualquer um que esteja em posse de
dólares, de títulos do Tesouro americano, ou que esteja vivendo de renda fixa
terá seu poder de compra roubado por estas ações.
Como previsto pela teoria, as rodadas
anteriores de "afrouxamento quantitativo" (quantitative easing
— QE), mero eufemismo para injeção de dinheiro na economia, nada fizeram para
restaurar a economia americana ou para sequer colocá-la no caminho da
recuperação real. O país está hoje mais endividado, com mais pessoas sem
emprego, e com problemas fiscais muito mais sérios e profundos do que aqueles
que existiam antes de o Fed embarcar neste caminho ruinoso. Tudo o que os
defensores do ativismo monetário do Fed têm a dizer é que as coisas teriam sido
piores sem os estímulos. Embora argumentos contrafatuais sejam difíceis
de serem provados, não tenho dúvidas de que as coisas teriam de fato sido mais
dolorosas no curto prazo caso as autoridades tivessem permitido que os desequilíbrios
da economia se corrigissem sozinhos. No entanto, em troca desta dor de
curto prazo, a economia americana já estaria hoje
no caminho da recuperação real. Em
vez disso, no entanto, preferiu-se sustentar um modelo artificial de
endividamento e gastança que jogou o país para ainda mais longe dos fundamentos
sólidos necessários para uma recuperação.
Em decorrência do fato de as iniciais
de quantitative easing — QE — terem trazido à mente os famosos navios de
cruzeiro Queen Elizabeth, várias pessoas compararam as medidas do Fed a
embarcações gigantes que são carregadas e então lançadas ao mar. Porém,
levando-se em conta os planos recém-anunciados, a analogia não mais se
aplica. Dado que os novos compromissos assumidos pelo Fed são de duração
declaradamente ilimitada, a nova rodada (a terceira) de quantitative easing
pode ser mais corretamente comparada a uma esteira rolante que despeja dinheiro
farto e barato na economia. A única variável que se altera é a velocidade
em que a esteira irá se movimentar.
Felizmente, as toscas limitações
desta única ferramenta que o Fed pode utilizar — imprimir dinheiro — estão se
tornando mais explícitas para os mercados. Se formos nos ater às
metáforas náuticas, o QE3 afundou antes mesmo de ter deixado o porto. A
medida havia sido explicitamente planejada para reduzir as taxas de juros de
longo prazo, mas estas aumentaram de maneira significativa imediatamente após o
anúncio. Os investidores finalmente se deram conta de que um compromisso
ilimitado de comprar títulos significa que a inflação e o enfraquecimento do
dólar irão destruir quaisquer ganhos nominais porventura fornecidos pelos
títulos. Como que para ressaltar este ponto, o anúncio do Fed também provocou
uma acentuada venda de títulos do governo americano e de dólares, além de uma
forte corrida para as commodities, especialmente para metais preciosos.
Considerando-se que as taxas de juros
fixas das hipotecas de 30 anos já estão em seus mínimos históricos, há muito
pouca confiança de que o novo plano será bem-sucedido em derrubá-las ainda
mais, especialmente quando se leva em conta a disparada que ocorreu
imediatamente após o anúncio. Em vez disso, é provável que Bernanke
esteja tentando encorajar os proprietários de imóveis a trocar suas hipotecas
de taxas de juros fixas por empréstimos de juros menores porém reajustáveis — o
que liberaria mais dinheiro para o consumismo. Bernanke quer que os
proprietários de imóveis façam eles mesmos um twist na curva de
juros. Se ele obtiver êxito em sua tentativa, mais proprietários de
imóveis ficarão vulneráveis a qualquer aumento futuro que porventura ocorra nas
taxas de juros. E tal possibilidade, por si só, irá limitar ainda mais a
capacidade e a vontade do Fed de aumentar os juros para combater a inflação de
preços.
O objetivo do plano de Bernanke, como
dito, é estimular o consumo por meio de um aumento nos valores dos imóveis e
dos preços das ações. Mas ninguém parece estar levando em conta a
possibilidade de que um QE infinito, em vez de elevar os preços dos imóveis,
das ações e dos títulos, acabe elevando os preços dos alimentos, da energia e
de outros bens de consumo. Se isso ocorrer, os consumidores americanos
terão menos poder de compra em decorrência dos esforços de Bernanke, e não
mais.
A decisão do Fed veio ao mesmo tempo
em que a situação na Europa parece estar finalmente saindo do modo 'crise
urgente'. Embora eu não creia que a decisão anunciada pelo Banco Central
Europeu — de comprar mais títulos da dívida soberana de países problemáticos da
União Europeia — irá funcionar no longo prazo, pelo menos estas medidas vieram
com várias restrições impostas pelos alemães (para importantes detalhes sobre
isso, veja o artigo de nosso analista
econômico sênior, John Browne).
Como consequência, imagino que a atenção dos investidores e compradores de
moedas irá agora se voltar para os débeis fundamentos do dólar americano, e não
mais para um potencial colapso do euro.
Enquanto isso, as implicações para
aqueles que investem nos EUA já deveriam estar claras. O Fed irá tentar
suscitar uma recuperação por meio da desvalorização do dólar. Ele não irá
interromper ou alterar seu curso de ação. Se a economia americana não
reagir às drogas, Bernanke irá simplesmente aumentar a dosagem. Com
efeito, ele está tão convencido de que os americanos permanecerão dependentes
do afrouxamento quantitativo, que ele explicitamente afirmou que não fechará as
torneiras mesmo que as coisas visivelmente não melhorem. Em outras palavras, o dólar está condenado.
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