Por Wendy McElroy
Quando
eu era estudante de economia, uma das tarefas mais difíceis sempre foi a de
entender a relação exata entre gastos com consumo, poupança e
prosperidade. Ainda na graduação, fui alimentado com a teoria padrão
fornecida pelas curvas IS/LM, que diz que o consumo é a força motriz da
produção. Essa teoria padrão pode ser resumida em algumas frases curtas,
utilizando alguns "fatos" óbvios sobre o funcionamento do sistema
econômico.
1.
Empresas irão contratar trabalhadores e produzir coisas se, e somente se, elas
esperarem com isso poder gerar receitas de venda suficientes para a) cobrir
seus custos operacionais e b) obter alguma taxa de lucro.
2.
As indústrias produtoras de bens de capital irão ajustar seus planos de
produção de acordo com a demanda vivenciada pelas indústrias de bens de
consumo. Caso a demanda por bens de consumo diminua, qualquer que seja o
motivo, as empresas irão reduzir sua produção e demitir empregados.
3.
Durante períodos de crise econômica, diz-se que uma redução dos salários não
será benéfica para o sistema econômico como um todo porque salários menores
significam menores gastos com bens de consumo, o que agravaria ainda mais a
crise.
4.
A cura para tudo, diz-se, deve advir do aumento dos gastos públicos. Tal
aumento deve ser financiado por déficits orçamentários em conjunto com o
aumento da oferta monetária e da expansão do crédito.
O
propósito desse artigo é mostrar a exata relação entre gastos com consumo,
poupança, acumulação de capital e prosperidade. Será mostrado que o
consumo em termos reais, bem como gastos com consumo expressos em termos
monetários, não são a causa, mas, sim, um efeito de uma maior poupança e de uma
maior acumulação de capital.
Demanda por bens não é demanda por mão-de-obra
Com
o intuito de reconhecer a falácia da teoria padrão da maneira mais clara
possível, é preciso antes estabelecermos uma conexão correta entre a demanda
por bens de consumo e todas as outras atividades econômicas, particularmente, é
claro, a demanda por mão-de-obra.
O
primeiro passo nessa análise é entender a seguinte e simples observação: esses
dois fenômenos, a saber, a compra de bens de consumo e a demanda por
mão-de-obra, representam dois eventos fisicamente separados. Isto é, quando
alguém compra um bem de consumo, essa pessoa não está comprando simultaneamente
mais nada além do bem de consumo em questão. Em particular, não se está
comprando ao mesmo tempo mão-de-obra ou bens de capital. A pessoa está
comprando apenas um bem de consumo. É importante, nessa etapa da análise,
deixar de lado todas as outras possíveis consequências futuras dessa compra
inicial, e manter o foco no simples fato de que a demanda por bens de consumo
e, aqui, a demanda por mão-de-obra, constituem dois eventos separados.
Dizer que a demanda por bens de consumo deve ser vista e analisada separadamente
não é o mesmo que de alguma forma desconsiderar o papel do consumidor ou da
demanda do consumidor. Ninguém nega o fato de que a compra de bens de
consumo tenha consequências econômicas importantes para o processo de produção
em questão. Porém, com o intuito de se chegar a uma fotografia nítida das
relações funcionais presentes nesse processo, é indispensável levar em
consideração a separação lógica dos dois eventos.
Ademais,
também é importante entender que quando alguém demanda bens de consumo, no
sentido de se gastar uma quantia definida de dinheiro nele, este algum está
reduzindo sua capacidade de demandar, digamos, serviços de mão-de-obra.
Este, obviamente, é um claro exemplo de escassez. Se eu gastar toda a
minha renda mensal em, por exemplo, jogos, eu não terei como comprar outras
coisas. O mesmo tipo de escassez se aplica com igual intensidade a um
sistema econômico complexo, com a única diferença sendo que, o fator
restringente nesse sistema econômico como um todo será a quantidade de dinheiro
e o volume de gastos.
Mesmo
em um sistema monetário em que a quantidade de dinheiro pode ser expandida
rapidamente, a lógica da escassez se aplica com a mesma intensidade. O
ato de ter de se decidir entre demanda por bens e demanda por serviços de
mão-de-obra já pressupõe a existência de escassez, independentemente de quão
rapidamente a oferta monetária possa aumentar.
À
luz da simples análise acima, é possível tirarmos conclusões importantes.
Afirmar, por exemplo, que a causa do problema do desemprego — e,
consequentemente, sua solução — é uma insuficiente demanda por bens de consumo,
significa cometer uma falácia lógica elementar. Mais ainda: significa
estar afirmando que a demanda por bens de consumo de certa forma incorpora a
demanda por mão-de-obra; que, no exato momento em que alguém compra um bem de
consumo, esse alguém está também comprando serviços de mão-de-obra. Ou,
colocando mais precisamente, tudo isso significa dizer que a demanda por bens
de consumo envolve mais do que apenas isso, o que seria uma impossibilidade
lógica.
O conceito do gasto produtivo
A
existência de demandas distintas por bens de consumo, bens de capital e
serviços de mão-de-obra, respectivamente, nos permite fazer uma distinção
estrita entre os dois tipos de gasto que existem na economia de mercado.
O primeiro tipo pode ser chamado de gastos com consumo, e está relacionado à
demanda por bens de consumo. O segundo tipo pode ser chamado de gastos
produtivos, e está relacionado aos gastos feitos por empresas e indústrias com
a compra de bens de capital e serviços de mão-de-obra. Uma característica
distinta dos gastos produtivos é que eles, obviamente, devem ser feitos com
fundos que foram anteriormente poupados — isto é, que não foram gastos na
compra de bens de consumo.
Observe
— e este é outro ponto importante — a diferença crucial entre os dois tipos de
gastos. Do ponto de vista do consumidor, o dinheiro que ele gasta na
compra de bens de consumo vai embora, e os bens de consumo que foram comprados,
tão logo eles estejam fisicamente extintos ou de alguma forma deixem de ter
serventia ao consumidor, devem ser novamente adquiridos. Para que possa
comprar os bens e serviços de que necessita, o consumidor deve ter uma fonte de
renda monetária. Esta é uma característica distinta dos gastos com
consumo: eles dependem de fontes externas.
Já
os gastos produtivos, por outro lado, são feitos por indústrias e empresas com
o propósito específico de trazerem subsequentes receitas de venda, as quais
normalmente superam os custos monetários incorridos no processo de
produção. Do ponto de vista de um empreendedor, os gastos produtivos
constituem um meio para se obter uma quantia de dinheiro maior do que aquela
que foi gasta.
A
poupança e os gastos produtivos, e não os gastos com consumo, são os dois
fatores que constituem a demanda por mão-de-obra e por bens de capital.
São eles que permitem alargar e sustentar os processos de produção capitalista,
os quais, por sua vez, possibilitam às empresas e indústrias aumentarem sua
produção e, como consequência, cortar os custos de seus produtos.
Quanto
maior for a poupança e os gastos produtivos dos empreendedores e dos
capitalistas, maior será a demanda por mão-de-obra e por bens de capital em
relação à demanda por bens de consumo, e maiores serão os salários e a
produtividade da mão-de-obra — essa última por causa da produção e do emprego
de mais bens de capital por trabalhador.
O
surgimento de assalariados em conjunto com uma abundância de bens de consumo a
preços baixos gerou, pela primeira vez na história da humanidade, o fenômeno do
mercado de massas e do consumo em massa. E, como a palavra
"massa" sugere, a esmagadora maioria dos consumidores, e a vasta
significância econômica que eles possuem, representa a recém-criada classe de
assalariados. Como já deve estar ficando claro, o consumo em massa é, na
realidade, o efeito, e não a causa, da maior produtividade e prosperidade —
contrariamente ao que pensam os defensores da teoria de que um baixo nível de
consumo é a causa dos males econômicos.
A oferta cria sua própria
demanda, e não o contrário. E, principalmente durante períodos de
crise econômica — os quais sempre foram exclusivamente produto de uma política
governamental de inflação monetária e expansão do crédito —, a medida mais
perniciosa que pode ser tomada é aumentar os gastos do governo em detrimento da
poupança e do gasto produtivo.
Isso
significa que principalmente a tributação dos lucros corporativos, das heranças
e da distribuição de dividendos irá confiscar fundos que de outra forma seriam
utilizados para a demanda de bens de capital e mão-de-obra, e desviá-los para
gastos com consumo do governo. Assim, todos os tipos de gastos públicos
elevados desta forma, incluindo-se aí os projetos com um caráter aparentemente
benéfico, como obras públicas, construção de infraestrutura na forma de
rodovias ou meios de comunicação, gastos para educação e escolas etc., podem
apenas contribuir para o aumento do desemprego.
E
se o gasto governamental for elevado por meio da criação de mais dinheiro, a
única maneira como isso poderá aumentar a demanda por mão-de-obra e bens de
capital não será em decorrência de sua mera existência, mas somente se as
adicionais receitas de venda resultantes desse aumento monetário forem poupadas
e produtivamente gastas por seus recebedores.
Conclusão
O
erro básico dos defensores da teoria de que um baixo nível de consumo é a causa
dos males econômicos está na crença de que a prosperidade está correlacionada
direta e positivamente aos gastos com consumo; na crença de que, ao demandar
bens de consumo, um indivíduo estará, de alguma forma, demandando serviços de
mão-de-obra em conjunto com bens intermediários que contribuem para a produção
do bem final. O erro advém da incapacidade de identificar as forças que
na realidade são as responsáveis pelo consumo em massa e pelo aumento da
prosperidade em termos reais. Tais forças são a poupança e os gastos
produtivos feitos pelas empresas e indústrias.
Com
relação à teoria econômica, é muito importante entender que uma compreensão
correta da relação funcional entre consumo, poupança, gastos produtivos e
prosperidade não pode ser adquirido por meio da ciência econômica contemporânea,
uma vez que esta consegue confundir coisas básicas em tal grau que a torna
praticamente inútil.
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