Por Lew Rockwell
Como
seria possível você combinar sua vida profissional com a defesa e a promoção da
liberdade?
É
claro que seria demasiado presunçoso oferecer uma resposta definitiva a essa
pergunta, uma vez que todos os empregos e carreiras na economia de mercado
estão sujeitos às forças da divisão do trabalho. Mas só porque uma pessoa
se concentra em uma determinada tarefa não significa que ela não seja boa em várias
outras atividades; significa apenas que os ganhos mais produtivos para todos
são gerados ao se dividir as tarefas entre várias pessoas de variados talentos.
O
mesmo ocorre com o movimento em prol da liberdade. Quanto maior for o
número de pessoas interessadas em promover a liberdade, melhores serão os
resultados caso haja especialização, caso todos cooperem por meio das
trocas. Quanto maior a divisão do trabalho, maior será o impacto
alcançado. Não há como saber antecipadamente o que será melhor para cada
pessoa específica fazer; há vários caminhos formidáveis a serem seguidos (os
quais discutirei mais abaixo). Mas há algo que podemos saber com certeza:
a resposta mais comum — entrar no governo e tentar modificá-lo — é a mais
errada. Várias mentes brilhantes já foram corrompidas e arruinadas ao
decidirem seguir este caminho fatídico.
É
bastante comum vermos um movimento ideológico fazer grandes esforços por meio
da educação, da organização e da influência cultural, mas terminar efetuando
aquele salto ideológico de acreditar que a política e a influência política — o
que normalmente significa arrumar empregos dentro da máquina burocrática — são
os próximos degraus na escada do sucesso. Tornar-se um burocrata para
combater a burocracia, juntar-se ao estado com o intuito de reduzir seu poder,
faz tanto sentido quanto tentar combater um incêndio com fósforos e
gasolina. Foi exatamente isso o que ocorreu com a direita cristã nos EUA
da década de 1980. Eles se envolveram na política com o intuito de acabar
com a opressão do estado. Hoje, trinta anos depois, várias destas pessoas
estão trabalhando no Ministério da Educação e em várias agências reguladoras,
imaginando novas leis, novas regulamentações, novas imposições de costumes e
novos impostos. Isso representa um desastroso e irreversível desperdício
de capital intelectual.
É
de essencial importância que os defensores da liberdade não incorram neste
caminho. Trabalhar para o governo sempre foi a carreira escolhida por
socialistas, reformistas sociais e keynesianos, pessoas sem nenhuma propensão a
prestar bons serviços na iniciativa privada e no livre mercado. O governo
é o lar natural deles porque, além de ser o lar natural dos tiranos e dos
incompetentes, é no governo que eles podem satisfazer sua ambição de controlar
a sociedade. Trata-se de um instinto natural querer controlar aquilo em
que não se consegue ser bem-sucedido. Trabalhar para o governo é algo que
funciona para eles mas que não funciona para nós.
Na
primeira metade do século XX, os libertários sabiam realmente como se opor ao
estatismo. Eles se tornavam empreendedores ou iam trabalhar em jornais
influentes. Eles escreviam livros. Eles agitavam a arena
cultural. Eles acumulavam fortunas para ajudar a financiar jornais,
escolas, fundações, institutos e organizações voltadas para a educação
econômica do público. Eles ampliavam seus empreendimentos comerciais para
servirem de baluarte contra o planejamento central. Eles se tornavam
professores e, sempre que possível, educadores. Eles cultivavam belas
famílias e se concentravam na educação de seus filhos.
É
uma batalha longa e difícil, mas a batalha pela liberdade sempre foi
assim. Porém, em algum ponto da batalha, algumas pessoas, seduzidas pela
perspectiva de um caminho mais rápido para as reformas, repensaram esta ideia.
'Talvez devêssemos tentar a mesma técnica da esquerda', matutaram
alguns. Talvez devêssemos infiltrar nossa gente no poder e desalojar os
inimigos. Assim poderemos produzir mais rapidamente a mudança em prol da
liberdade. Aliás, não seria este o objetivo mais importante de
todos? Enquanto a esquerda estiver controlando o estado, este irá se
expandir de maneiras incompatíveis com a liberdade. Por isso, temos de
tomar de volta o controle do estado.
Assim
rezava a lógica. Qual o problema com ela? Simples. A única
função do estado é ser um aparato de coerção e compulsão. Esta é a sua
marca distintiva. É isso que torna o estado o que ele realmente é.
Da mesma maneira que o estado responde bem a argumentos de que ele deveria ser
maior e mais poderoso, ele é institucionalmente hostil a qualquer um que diga
que ele deveria ser menos poderoso e menos coercivo. Isso não quer dizer
que algum trabalho feito "de dentro" não possa gerar algo de bom, em
algum momento. Porém, é muito mais provável o estado converter o
libertário do que o libertário converter o estado.
Todos
nós já vimos isso milhares de vezes. Dificilmente são necessários mais do
que alguns poucos meses para que um intelectual libertário que tenha ido para o
governo "amadureça" e se dê conta de que seus ideais eram 'muito
pueris' e 'insuficientemente realistas'. Um político prometendo tornar o
governo mais manso e mais submisso rapidamente se torna um proeminente
especialista em criar novas maneiras de tornar o estado mais eficiente no
confisco da riqueza alheia. Tão logo este fatídico passo é tomado, não há
mais limites. Conheço pessoalmente um burocrata americano que havia
jurado fidelidade à filosofia libertária e, mais tarde, ajudou a implantar lei
marcial no Iraque.
A
razão de tudo está ligada à ambição, algo que normalmente não é um impulso
ruim. A cultura do estado, no entanto, requer que a ambição funcione
apenas de maneira a prestar a máxima deferência possível ao poder consolidado.
A princípio, essa postura é fácil de ser justificada pelo libertário infiltrado
no estado: 'qual outra maneira de o estado ser convertido senão pela nossa
demonstração de simpatia por ele? Sim, o estado é nosso inimigo, mas, por
ora, temos de fingir sermos seu amigo.' No entanto, com o tempo, os
sonhos de mudança vão sendo substituídos por essa necessidade diária de
bajular. No final, o indivíduo acaba se tornando exatamente aquele tipo
de pessoa que ele mais desprezava. (Para os fãs de O Senhor dos Anéis,
é como ser pedido para carregar o anel por algum tempo; você não vai querer
largá-lo mais).
Ao
longo de minha vida, conheci várias pessoas que tomaram esse caminho e, um belo
dia, se olharam no espelho, fizeram um julgamento honesto sobre si próprias e
não gostaram nada do que viram. Elas me disseram que se enganaram
completamente ao pensar que tal estratégia poderia funcionar. Elas não
perceberam a tempo as maneiras sutis como o poder as estava seduzindo,
envolvendo e arrastando para seus esquemas sórdidos. Elas reconheceram a
futilidade de se pedir educadamente ao estado, dia após dia, para que ele
permitisse um pouco mais de liberdade aqui e ali. No final, o que sempre
acontece é que você acaba tendo de estruturar seus argumentos em termos daquilo
que é bom apenas para o estado. E a realidade é que a liberdade não é boa
para o estado. Assim, sua retórica começa a mudar sem você
perceber. Finalmente, todo o seu objetivo se altera e você nem se dá
conta. E, quando percebe, já é tarde demais. Os mais mentalmente
sãos abandonam o aparato estatal e qualquer tentativa ulterior de
persuasão. Já os corruptíveis incorporam de vez o modus operandi
do estado e nele se encastelam.
O
estado está aberto à persuasão, sem dúvida, mas ele normalmente age por temor,
e não por amizade. Se os burocratas e políticos temerem uma revolta e uma
reação adversa, eles não irão aumentar impostos ou regulamentações. Se
eles sentirem que há um grau demasiado alto de indignação pública, eles irão
até mesmo revogar controles e programas. Um bom exemplo foi o fim da Lei
Seca. Ela foi abolida porque os políticos e burocratas sentiram que
continuar a impingi-la traria um custo alto demais.
O
problema da estratégia foi algo que sempre fascinou Murray Rothbard, que escreveu
vários e importantes artigos sobre a necessidade de jamais contemporizar e
fazer concessões; de jamais, por meio do processo político, trocar o objetivo
de longo prazo por um ganho de curto prazo. Isso não significa que não
deveríamos saudar e acolher positivamente um corte de 1 ponto percentual nos
impostos ou a revogação de uma seção de alguma lei. Mas jamais devemos
nos deixar ser tragados pela trapaça da condescendência: por exemplo, 'vamos
abolir este imposto ruim para colocar em seu lugar este imposto melhor.'
Isto seria utilizar um meio (um imposto) que contradiz o objetivo final (a
eliminação da tributação).
A
abordagem rothbardiana para uma estratégia pró-liberdade pode ser resumida
pelas quatro afirmações a seguir:
1.
A vitória da liberdade é o mais elevado objetivo político;
2.
O fundamento adequado para este objetivo é um ardor moral e inflexível pela
justiça e pela ética;
3.
O objetivo deve ser alcançado pelos meios mais rápidos e eficazes possíveis;
nada de gradualismos;
4.
O meio escolhido jamais deve contradizer o objetivo — "seja a defesa do
gradualismo, o uso ou a defesa de qualquer agressão contra a liberdade, a
defesa de programas de planejamento central, o não aproveitamento de qualquer
oportunidade de reduzir o poder do estado, ou a defesa de algum programa que
implique seu agigantamento em alguma área da economia ou da vida privada."
Libertários
sempre devem ter isso em mente. A questão da estratégia não é
simples. E o poder sempre será tentador. Foi George Washington quem
certa vez disse que "as tentações para se entrar na vida política eram tão
fascinantes, que eu estive muito próximo de ceder por completo".
Qualquer análise mais detida da burocracia revela que Washington estava certo
desde aquela época. A esmagadora maioria das pessoas que entram para o
governo é formada por gente que está ali ou porque quer uma vida fácil, ou
porque quer controlar a vida dos outros, ou porque quer uma vida fácil que ao
mesmo tempo permite controlar a vida dos outros.
Sempre
foi e sempre será assim. O estado mastiga as pessoas e, no final, ou ele
engole ou ele cospe aquelas que entraram ali com o nobre intuito de promover a
liberdade.
Esta
é a lição. Os milhares de jovens que hoje estão pela primeira vez
descobrindo as ideias da liberdade devem ficar de fora da máquina estatal e de
todo o seu encantamento e fascinação letais. Em vez de tentar se
infiltrar no estado, eles devem perseguir seus ideais por meio do comércio, da
educação, do empreendimento, das artes, da divulgação de ideias, do debate
etc. Liderem e exerçam influência por meio do respeito alcançado por suas
realizações. Estas são áreas que oferecem genuínas promessas e altos
retornos.
Quando
um libertário me diz que está fazendo coisas boas em algum ministério ou em
alguma agência reguladora, não tenho motivos para duvidar de suas
palavras. Porém, quão melhor seria caso ele renunciasse a este emprego e
escrevesse um livro expondo toda a mamata, charlatanice e roubalheira da
burocracia? Um golpe bem colocado contra um órgão do governo pode
produzir mais reformas, e gerar mais benefícios para a sociedade, do que
décadas de tentativas de infiltração e subversão.
Existem
políticos que fazem coisas boas? Em toda a minha vida, conheci apenas um:
Ron Paul. Mas todo o bem que ele faz não adveio exclusivamente de seu
trabalho como legislador, mas sim de seu trabalho como um educador que possuía
uma proeminente plataforma da qual emitir suas opiniões. Cada voto
negativo seu a uma nova lei ou nova regulamentação é uma lição para as
multidões. Precisamos de mais Ron Pauls ao redor do mundo.
Mas
Ron Paul é o primeiro a afirmar que, ainda mais importante do que legisladores
expressando ideias libertárias, são necessários mais educadores,
empreendedores, pais e mães, líderes religiosos e empresariais divulgando as
ideias da liberdade. Defensores da genuína liberdade amam o comércio e a
cultura, e não o estado. Comércio e cultura são o nosso lar e nossa
plataforma de lançamento para as reformas em prol da liberdade. Apenas a
divulgação de ideias sólidas pode nos libertar em definitivo do jugo opressor
do estado. Fingir amizade com um inimigo mais poderoso é uma postura que
beneficiará exclusivamente a ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário