Os quatro tipos de austeridade - por
que o governo cortar gastos é positivo para a economia
Por Leandro Roque
Quem acompanha a situação europeia exclusivamente pela mídia fica com a
certeza de que o termo 'austeridade' é uma manifestação explícita do
anticristo, e que se trata de uma medida que deve ser evitada de todas as
formas. A ideia é que reduções nos gastos do governo tiram a sustentação
da economia e a empurram para uma interminável espiral depressiva.
Curiosamente, quando a imprensa fala em austeridade, ela menciona em tom
crítico apenas uma parte dela, que é o corte de gasto, e nada fala sobre a
outra parte, que é o aumento de impostos e seus efeitos genuinamente
recessivos.
Quando o governo corta gastos, de fato há quem saia prejudicado. O
exemplo mais claro seria o de funcionários públicos que tivessem seus salários
reduzidos. Isso é muito raro, mas pode ocorrer. As empresas que
possuem como clientes principais um grande número de funcionários públicos
seriam atingidas. Pense em um restaurante chique de Brasília que tem como
clientela o pessoal das agências reguladoras. Se as agências fossem
abolidas (sonhemos um pouquinho), as receitas desse restaurante cairiam.
Da mesma forma, se o número de deputados e senadores diminuísse, o Piantella
iria à falência.
Esse foi um exemplo visualmente fácil de ser entendido. Há outros
menos claros. Por exemplo, cortes de gastos do governo irão afetar as
várias empresas que só sobrevivem porque possuem contratos de prestação de
serviços junto ao governo. Empresas terceirizadas por estatais e
empreiteiras que fazem obras para o governo são os exemplos mais claros.
Há também as várias atividades econômicas que recebem subsídios e que, sem
estes subsídios, teriam de se virar, cortar gastos e demitir pessoas.
O que todas estas atividades têm em comum é que elas só sobrevivem e só
são lucrativas com a muleta do governo. Isso faz com que elas sejam
classificadas como atividades econômicas insustentáveis. São
atividades que não dependem da demanda voluntária do consumo privado para
sobreviver. Uma vez cortado o fluxo de dinheiro governamental, elas
perdem sustentação e definham. Elas não necessariamente irão quebrar,
pois podem se reestruturar e mudar seu enfoque de mercado. Mas estão
indiscutivelmente sobredimensionadas, e a prova disso é que só mantêm seus
atuais lucros com dinheiro repassado pelo governo. Elas são, portanto,
atividades que absorvem recursos e capital da sociedade. Elas não
produzem; elas consomem.
Uma redução nos gastos do governo, portanto, possui este efeito salutar
sobre a economia. Faz com que empresas que consomem recursos e que
produzem apenas de acordo com demandas políticas tenham de ser enxugadas.
Empresas que só sobrevivem devido aos gastos do governo não produzem para
consumidores privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos mas produzem para
o estado. Elas não utilizam capital de maneira produtiva, de forma a
atender os genuínos anseios dos consumidores privados: ao contrário, elas
utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos mas produzem apenas para
servir a anseios políticos. Em suma, não agregam à sociedade. Por
definição, subtraem dela.
Este tipo de atividade econômica privada que só sobrevive por causa dos
gastos do governo é idêntico àquelas outras atividades privadas que só são
lucrativas quando está havendo uma forte expansão do crédito. Quando o
crédito é farto e barato, e a demanda por imóveis é crescente, várias
construtoras e várias imobiliadoras apresentam lucros estratosféricos.
Porém, quando o crédito encarece — ou quando os consumidores já estão muito
endividados — e a demanda cai, os lucros viram prejuízos. Um corte de
gastos do governo gera idêntico efeito sobre empresas que possuem o governo ou
funcionários do governo como principal cliente.
E por que isso seria bom? Porque, ao falirem, essas empresas
liberam mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser utilizados mais
eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão no mercado para
realmente atender às demandas dos consumidores. Por isso, é essencial
que, ao cortar gastos, o governo também reduza impostos. Isso não
apenas irá dar mais poder de compra às pessoas, como também irá permitir que as
empresas produtivas tenham mais capital e, consequentemente, possam contratar
mais pessoas.
Tendo estes conceitos em mente, há quatro maneiras de se fazer
austeridade:
1) Aumentar impostos e cortar gastos;
2) Aumentar impostos e manter gastos inalterados e;
3) Manter impostos inalterados e cortar gastos;
4) Reduzir impostos e cortar gastos em uma intensidade maior do que o
corte de impostos;
A primeira é a que gera uma recessão mais intensa. De um lado, o
corte de gastos debilita aquelas empresas que dependem do governo, o que é bom;
mas, de outro, o aumento de impostos confisca ainda mais capital da sociedade,
mais especificamente do setor produtivo, que é justamente quem absorveria a mão-de-obra
demitida das empresas que faliram em decorrência dos cortes de gastos do
governo. Você tem, portanto, o pior dos dois mundos. Aumento do
desemprego, população com menor poder de compra, e setor privado sem capital
para contratar. É isso que a Europa está fazendo.
A segunda maneira, ao contrário do que se supõe, é a pior. O
governo aumenta o confisco do capital do setor privado, mas continua dando
sustentação às empresas ineficientes, que também consomem capital do setor
produtivo. A recessão neste caso é menos intensa, mas os desequilíbrios
de longo prazo não são corrigidos. A economia fica com menos capital, mas
as empresas ineficientes seguem firmes, pois seu cliente é o governo, que
continua gastando. No final, tal medida serviu apenas para aumentar o
consumo de capital de toda a sociedade.
A terceira maneira é melhor que a primeira e a segunda. O governo
continua confiscando capital, é verdade, mas ao menos liberou outros recursos
por meio da falência de empresas que só sobreviviam em decorrência de seus
gastos. Em termos de recessão, é mais branda que a primeira e semelhante
à segunda.
A quarta maneira é a maneira correta de se fazer austeridade. A
redução de gastos do governo faz com que empresas ineficientes que dependem do
governo sejam enxugadas (ou quebrem) e liberam mão-de-obra e recursos escassos
para empreendimentos produtivos e genuinamente demandados pelos cidadãos.
E as empresas responsáveis por esses empreendimentos produtivos terão mais
facilidade para contratar essa mão-de-obra demitida porque, em decorrência da
redução nos impostos, elas agora têm mais capital e seus consumidores, mais
poder de compra.
Além de não provocar uma recessão profunda — haverá recessão apenas se o
governo impuser medidas que retardem a realocação de mão-de-obra de um setor
para o outro (por exemplo, aumentando o seguro-desemprego ou o salário mínimo,
ou impondo altos encargos sociais que encareçam o processo de demissão e
contratação) —, esta maneira é a única que reduz duplamente o desperdício de
capital e, com isso, permite uma maior acumulação de capital. Maior
acumulação de capital significa maior abundância de bens produzidos no
futuro. E maior abundância de bens significa maior qualidade de vida.
Portanto, há austeridade e "austeridades". A melhor
maneira é também a menos indolor e a mais propícia ao enriquecimento futuro de
uma sociedade. É injustificável não adotá-la.
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