domingo, 21 de outubro de 2012

Cinquenta tons de Governo






Recentemente, durante uma viagem de avião, notei que pelo menos um terço dos passageiros estava lendo um determinado best seller.  Isso me fez pensar. 

Toda organização politicamente ativa e poderosa o suficiente para fazer lobby quer algo do governo, e o governo, sempre que possível, se mostrará extremamente satisfeito em aquiescer às demandas.  Durante períodos eleitorais, tal relação se torna ainda mais explícita.  Tudo não passa de uma troca de favores: votos em troca de poder e privilégios.

Uma outra maneira da colocar tudo isso: o governo aloca privilégios na forma de regulamentações específicas, de espoliação de uns em troca de favorecimentos para outros, de proteção aos favoritos e de punições aos não condescendentes.  Todos os grupos de interesse e todos os partidos políticos têm ideias sobre como seu poder sobre nós pode e deve ser usado.

Para os que não são privilegiados e poderosos o bastante para entrar neste arranjo, como você e eu, será que realmente faz alguma diferença quem irá receber os espólios?  Se você será tributado para o governo construir ciclovias ou para dar aumentos salariais ao funcionalismo, o resultado final é o mesmo: você está sendo proibido de utilizar uma parte da sua renda apenas para que políticos e burocratas possam satisfazer seus desejos.  Se as regulamentações dizem que você não pode trabalhar em troca de um valor salarial que esteja abaixo de um valor estipulado arbitrariamente por políticos ou se elas proíbem você de comprar determinados produtos, o efeito final é o mesmo: sua liberdade de fazer contratos voluntários está sendo solapada.

O problema real é que todos se limitam a discutir interminavelmente apenas sobre como o governo pode e deve ser usado.  Ninguém concebe tirar o governo de cena.  O governo deve proibir gays de se unirem civilmente ou deve proibir empresas privadas de discriminar pessoas que optam pela união homossexual?  Ou o estado proíbe alguma coisa ou impõe outra.  Estes são os dois extremos de sua amplitude de atuação.  De um jeito ou de outro, o estado está sendo utilizado para dizer às pessoas o que elas podem e o que elas não podem fazer.  Neste sentido, esquerda e direita têm muito mais em comum do que aceitam admitir: ambas partem do princípio — para elas axiomático — de que o estado pode gerenciar a ordem social melhor do que a liberdade.  Ambas têm planos sobre como o estado pode bem gerir as pessoas.

O governo deve restringir a circulação de automóveis ou deve estimular suas aquisições?  Os bancos devem ser protegidos e estimulados a se fundirem ou devem ser estritamente regulados de modo a não poderem realizar outras atividades senão as bancárias?  As grandes empresas devem ser subsidiadas e protegidas das importações ou devem ser tributadas ao máximo?  Gordura saturada deve ser de consumo obrigatório como parte de uma nova dieta nacional ou deve ser proibida como sendo um risco à saúde?  Remédios devem ter seu acesso dificultado ou subsidiado?

Estes são os grandes debates da nossa era.  Mas é óbvio que eles não representam debates.  Fundamentalmente, são meras empulhações com o objetivo único de sacramentar o poder decisório do estado.  Qualquer que seja a escolha dentre as opções acima, o real vencedor sempre será o governo, seus agentes, seus porta-vozes e seus poderes.  Acima de tudo, será a consagração da nossa aceitação do estado controlando nossas vidas, nossas decisões e nossa cultura.  Ou o estado me proíbe ou ele me obriga.  Estas são as únicas opções ofertadas.  E, incrivelmente, tal totalitarismo segue inquestionável pelo rebanho.

A carga tributária deve ser de 40% do PIB ou 37,2%?  Deve incidir majoritariamente sobre a renda ou sobre o consumo?  Qualquer que seja a escolha, a liberdade é a perdedora, e os direitos de propriedade se tornam cada vez menos garantidos.

Religiosos devem poder controlar o que vemos na televisão, o que lemos e o que fumamos, ou os ateus devem poder impor leis que impeçam as pessoas religiosas de se expressarem livremente?  Qualquer que seja a escolha, está-se concedendo ao governo mais controle sobre a sociedade.

Essa é a grande tragédia de se viver sob o leviatã.  O ser humano sempre terá ideias distintas e conflitantes sobre como as questões devem ser conduzidas.  Isso é inevitável.  O problema ocorre quando se delega o monopólio da tomada suprema de decisões para uma entidade amorfa e acima da lei.  Quem deve ser premiado?  Quem deve ser punido?  Quem deve receber privilégios?  Quem deve pagar a conta?  No final, tudo se torna uma guerra entre grupos de interesse, cada um se esforçando ao máximo para ter influência sobre o estado e, com isso, viver à custa de todo o resto da sociedade.

E o que realmente é essa coisa a que chamamos de estado?  O que é o governo?  Trata-se de uma gangue envolta por toda uma estrutura institucional que cria regras arbitrárias, fiscaliza seu cumprimento e impõe punições aos dissidentes.  Ao mesmo tempo, o estado e seus agentes vivem em uma dimensão paralela, completamente alheios e imunes às leis que eles próprios impõem ao resto da população.  Nós não podemos roubar, mas o governo pode.  Nós não podemos matar, mas o governo pode.  Nós não podemos falsificar dinheiro, mas o governo pode.  Nós não podemos sequestrar nem praticar fraude, mas o governo pode.  Esta coisa chamada governo possui, obviamente, um forte interesse em manter seu poder, seu prestígio e seu financiamento.  Que seus agentes queiram manter seus privilégios, embora moralmente condenável, é algo um tanto compreensível.  O que realmente não dá para entender é que pessoas que estão fora do esquema continuem defendendo a existência dele.

A natureza do estado é a mesma, independentemente de qual seja a estrutura do governo.  Oligarquia, monarquia absolutista, monarquia constitucional, república presidencialista, república parlamentarista, democracia — todos têm uma característica em comum: eles criam uma casta privilegiada de cidadãos que vivem à custa de todo o resto do populacho.

Em uma democracia, o arranjo é ainda mais descarado.  O governo consegue recrutar toda a população para defender a sua causa.  O governo magicamente consegue fazer com que as pessoas se limitem a discutir apenas como o governo deve ser utilizado para se alcançar determinados objetivos econômicos e sociais.  Que o governo sequer deve ser utilizado para tais fins é algo que não passa pela cabeça das pessoas.  Enquanto esta alienação persistir, o governo continuará sendo o vencedor, para o regozijo dos grupos de interesse.  Em uma democracia, a função de lobistas e de grupos de interesse é justamente a de recompensar a classe política por seus esforços, transferindo nosso poder e dinheiro para ela.  Exatamente qual é a desculpa utilizada — e ela muda de acordo com o momento; algumas vezes sutilmente, outras, dramaticamente — é algo que não interessa ao governo.

O governo é um camaleão, perfeitamente jubiloso em vestir qualquer manto cultural ou ideológico que o permita se camuflar e se imiscuir com quaisquer que sejam as demandas sociais e culturais da época.  Em uma democracia litigiosa — como todas são —, existem cinquenta tons de governo, cada tom apropriado para uma determinada época e lugar, cada tom adaptado aos propósitos do momento, todos com o interesse único de firmar seu controle sobre todos.

É disso que se trata todo o "espectro político".  O governo nos domina e nós nos submetemos.  Ele nos coloca em servidão e nós obedecemos à sua disciplina.  Tem de haver uma boa desculpa para tudo isso, caso contrário jamais nos submeteríamos a tamanha humilhação voluntária.  Temos de acreditar que o governo, de alguma maneira, em algum nível, está fazendo algo que nos agrade.  Talvez, como dizem, o governo seja nós mesmos...

As pessoas gostam de dizer que, na Idade Média, na "era da fé", diferenças religiosas levavam a guerras.  No entanto, alguns historiadores que se puseram a analisar aquele período mais detalhadamente observaram algo diferente: governos que querem fazer guerras adoram utilizar a religião como desculpa.

E o mesmo raciocínio se aplica à atualidade.  Na atual "era da ciência", somos submetidos a um planejamento científico social no qual especialistas, com as mãos firme nas alavancas de controle, dizem às pessoas como irão utilizá-las.  Se a desculpa apresentada será religiosa ou científica, ambientalista ou pragmática, nacionalista ou globalista, realmente não interessa para o resto de nós.  Os direitos e as liberdades daqueles que terão de pagar a conta estarão para sempre sacrificados em prol da agenda política de terceiros.

Portanto, na próxima eleição, quando você estiver indo como um cordeirinho para as urnas, pense nos nomes dos candidatos e no que estas pessoas prometeram fazer por você e para você caso você sancione o direito delas de mandar em você.  Afinal, sempre que votamos, nos dizem que nós fizemos nossa escolha voluntariamente e agora temos de viver com ela.

Mas é claro que, neste arranjo, não há escolha nenhuma.  Um dia talvez percebamos de que não há nenhum sentido em nos submetermos a esta servidão consentida.  Ainda haverá um dia em que revogaremos nossa dependência e rejeitaremos toda esta relação escravo-senhor, a qual é a base de sustentação de todo o sistema.  Cinquenta Tons de Governo tem sido um best seller há centenas de anos.  Já é hora de os governados escreverem um livro totalmente novo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Mercado versus Estado







Uma piada: 

A: "Você sabe a diferença entre uma cozinha e um banheiro?"

B: "Não."

A: "Então não venha à minha casa." 

Assim como é importante uma pessoa, em seus afazeres diários, saber diferenciar um banheiro de uma cozinha, também é importante que ela saiba a distinção crucial que existe na filosofia político-econômica entre o governo e arranjos contratuais privados.
Porém, é aqui que a analogia entra em colapso.  Existem outros discernimentos que devemos aprender durante nossa vida que são ainda mais importantes do que saber distinguir entre esses dois aposentos (por exemplo, não coma veneno, alimente-se sempre, cuide dos bebês); porém, na teoria libertária, simplesmente não existe uma delineação mais importante do que aquela que existe entre a coerção (o governo) e a cooperação voluntária (o mercado).
Entretanto, tão arriscada é a natureza da nossa disciplina, que existem até mesmo pessoas ostentando-se a si próprias como libertárias sem ter qualquer conhecimento dessa distinção.  Pior ainda, existem aquelas que escrevem artigos em jornais acadêmicos, e até mesmo livros, dedicados em toda sua inteireza a suprimir a diferença entre o estado e a interação privada no mercado.
E elas sempre se escondem atrás de algum argumento, sempre torpe e irrisório.  O preferido em seu arsenal é o do "contrato do condomínio".  Esses "libertários" discursam graciosamente sobre a severidade e abrangência das regras desses conjuntos residenciais.  Por exemplo, elas tipicamente exigem que todo o exterior seja pintado da mesma cor; que as grades ou cercados sejam idênticos e que não haja ar condicionado de janela.  Algumas vão tão longe a ponto de estipular a cor das cortinas que podem ser vistas lá da rua, e até mesmo obrigam, ou proíbem, coisas como carpetes, persianas, portas de tela e capachos.  Vários condomínios determinam se os carros devem, ou não podem, estacionar em garagens.  Alguns proíbem crianças completamente; outros, especificam idade mínima para os residentes (por exemplo, 60 anos para comunidades de aposentados).  E há uma legião de regras e regulamentações em relação à lei do silêncio, a festas, a onde bicicletas podem ser guardadas etc.  Comparadas até mesmo a alguns vilarejos e cidades pequenas, as regras dessas comunidades privadas podem ser intrusivas, abrangentes e, frequentemente, arbitrárias.
E há também o fato de que ambos os tipos de organizações (estado e condomínios provados) são tipicamente geridos de acordo com princípios completamente democráticos.  E não somente isso: de certa forma, pode-se realmente dizer que, em ambos os casos, as pessoas concordam em participar do sistema.
No caso do condomínio, isso é fácil de ver.  Todos os membros do conjunto assinam um contrato de compra, indicando sua disposição de se sujeitar à constituição do condomínio e a uma determina norma (maioria, super maioria, maioria absoluta, não importa) de alteração dos termos.
Para cidades, ninguém, é claro, assina a constituição.  Entretanto, argumentam esses "libertários", ao se mudar para uma localidade, o recém-chegado sabe perfeitamente bem as regras da entidade política, ou pode facilmente aprendê-las: nada de cuspir nas ruas, as especificações de zoneamento, os limites de velocidade etc.  E, em praticamente todos os casos, as regulamentações municipais são bem menos universais do que aquelas dos condomínios.  É verdade, conclui esse argumento, que o governo municipal coleta "impostos" ao passo que o condomínio coleta "taxas" de sócio, mas essa é uma distinção sem qualquer diferença.
A primeira rachadura desse argumento aparentemente hermético e incontestável começa a ser vista quando examinamos não a posição do recém-chegado, mas a de um proprietário que já estava lá antes de a cidade ser incorporada; ou, alternativamente, quando analisamos o infortúnio do proprietário que até então morava fora dos limites da cidade, mas que foi incorporado por ela quando ela se expandiu para colocar sob sua jurisdição pessoas como ele, que viviam em áreas contíguas mas até então não incorporadas.  (Vamos considerar apenas o segundo caso, e não o primeiro, uma vez que hoje existem muito mais indivíduos vivos que vivenciaram o segundo, e não o primeiro).
Assim, o prefeito vai até esse proprietário e diz pra ele: "Tenho boas notícias para o senhor, seu Zeca.  O senhor agora faz parte da nossa cidade.  Vamos coletar seu lixo, fornecer água e serviços de esgoto, guarda municipal, bombeiros, sociedade na biblioteca municipal... puxa, temos até um piscinão municipal.  O senhor vai gostar!  O senhor terá de pagar uma taxa para o bem-estar dos pobres também, é claro, mas o senhor sempre ajudou os desfavorecidos aqui na sua vizinhança, portanto isso não será nenhum fardo para o senhor."
Ao que Zeca responde: "Isso realmente parece ser maravilhoso, seu Clemente.  Puxa, estamos ficando mais modernos aqui, hein?  Mas olha só: vou deixar passar essa maravilhosa oportunidade.  Por ora, não vejo motivos para mudanças.  Obrigado, mas não, obrigado."
E então o prefeito Clemente engrossa:  "Creio que minha posição ainda não ficou clara o bastante.  Não se trata realmente de uma opção sua.  Fizemos uma votação quanto a isso, e o seu lado perdeu.  Como o senhor faz parte do jogo queira ou não, o senhor tem de jogar e aceitar as decisões".
Nesse momento Zeca retruca: "Hitler chegou ao poder por meio de eleições.  Portanto não venha o senhor me falar sobre as maravilhas das cédulas eleitorais.  Entretanto, vou lhe confessar uma coisa, seu Clemente.  Pelo menos o senhor é franco.  Pelo menos o senhor não reveste uma agressão explícita com o manto da mentira, como fazem aqueles pretenso 'libertários' que não veem diferença entre ser incorporado a uma cidade contra sua vontade e comprar voluntariamente um apartamento em um condomínio.  Sua exigência para que eu lhe dê dinheiro de impostos foi refrescantemente honesta, embora um tanto brutal, para uma pessoa que eu costumava considerar um bom vizinho."
E lá se vai a primeira rachadura na blindagem, o caso em que o proprietário é forçosamente incorporado à cidade.  Existe de fato uma diferença relevante entre ser compelido a fazer parte de uma cidade e se juntar voluntariamente a um condomínio.
Mas o que dizer quanto ao exemplo mais convincente do lado "libertário" desse arranjo, aquele em que um forasteiro chega a uma cidade, compra um imóvel etc., sabendo perfeitamente bem a que regras e impostos ele estará sujeito?  Não seria verdade que, ao menos nesse caso, o governo municipal é indistinguível daquele conselho administrativo que gere o condomínio?
Nem um pouco.
Considere o seguinte caso.  Eu compro um apartamento em uma vizinhança perigosa de uma cidade qualquer.  Eu sei perfeitamente bem que a criminalidade ali é alta, e que eu serei um alvo preferencial, dada a minha aparência abastada (com muita ironia aqui).  Talvez eu tenha tomado essa decisão econômica por causa dos imóveis mais baratos, ou porque quero me aproximar mais do "povo" para melhor estudar sua situação e ajudar a erradicar a pobreza.  Em todo caso, assim que eu me mudo pra lá, já sou logo confrontado por um marginal de rua que, canivete apontado pra mim, me ordena: 
"Passa a carteira, seu rico de m...., ou eu vou te furar todinho."
Ao que eu imediatamente sacaria meu Colt .45 e diria para o criminoso:  "Meu bom homem, você está confrontando um adversário com poder de fogo superior.  Cesse e desista de seus métodos maléficos, e vá cuidar de seus assuntos mais legítimos, se é que os tem."
E então esse elemento, o qual eu não imaginava ser um aprendiz de filósofo, faz a seguinte consideração:  "Você parece não estar entendendo.  Sou um daqueles 'libertários' que dizem que, já que você se mudou para cá tendo a perfeita consciência de que estaria sujeito a assaltos do tipo que estou fazendo agora (ou ao menos estava... Nunca havia me deparado com uma vítima tão pouco cooperativa como você; onde esse mundo vai parar?), você com efeito concordou em ser assaltado por ladrões como eu.  Portanto, deixe de ser contestador e aceite o programa, cara!"
O ponto é que, como podemos facilmente ver, a capacidade de pressupor um evento não é de modo algum equivalente a concordar com ele.  Sim, posso perfeitamente bem prever que, se eu me mudar para uma região violenta, provavelmente serei vítima de algum crime de rua.  Porém, isso de modo algum significa que estou concordando com tal atitude execrável. 
Entretanto, de acordo com o argumento "libertário" que estamos analisando, ambas as coisas são indistinguíveis.
Similarmente, é de se esperar que o indivíduo que fixa residência em uma cidade com impostos, leis de zoneamento etc., saiba que estará sujeito a essas depredações, assim como todos os outros moradores da cidade.  Mas daí a dizer que ele concordou em ser coagido por esses malfeitores há uma distância enorme.  A permissão que o recém-chegado à cidade dá ao cobrador de impostos para extrair dinheiro dele é a mesma que o recém-chegado a uma vizinhança violenta dá ao assaltante que viola seus direitos.
Com efeito, em um contraste muito nítido, o comprador de um apartamento não apenas pressupõe que estará sujeito a um pagamento mensal de uma taxa de sociedade, e a um colosso de restrições em relação ao que ele pode fazer com sua propriedade, como ele também de fato consente em pagar aquele e estar sujeito a este.  A prova disso é que ele assina um contrato de venda, o qual estipula todas as regras acima.  Já no caso do cidadão que vai pra uma cidade, não existe tal contrato assinado.
Não é exagero algum dizer que, em toda a teoria libertária, a distinção mais importante que existe é aquela entre a coerção e a não coerção.  Remova essa divergência e não sobrará absolutamente nada do libertarianismo.  Isso é tão importante, que vale a pena repetir: o libertarianismo consiste nas implicações dessa única e solitária distinção, e em nada mais.  Sem ela, não há absolutamente teoria alguma.
Uma coisa é ver e ouvir comunas, socialistas, esquerdinhas, social-democratas e neoconservadores denegrirem essa distinção.  Isso, aliás, é o que se espera deles.  Trata-se de uma atitude perfeitamente apropriada para esses tipos.  Se eles não fizessem isso, eles dificilmente poderiam ser caracterizados pelos rótulos acima.  Outra coisa bastante diferente é ver "libertários" cometendo esse mesmo erro.  Ou eles se livram dessa perniciosa falsa doutrina ou ao menos tenham a decência de parar de se auto-intitular libertários.
Walter Block é membro sênior do Mises Institute e professor de economia na Loyola University, Nova Orleans.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A insensibilidade moral dos mensaleiros

Por Nivaldo Cordeiro

 

A imoralidade virou movimento de massas no Brasil, em movimento semelhante ao que se verificou na Alemanha de Hitler.

A reação de José Dirceu e José Genoíno à condenação pelo STF, no caso do mensalão, merece uma reflexão. Eles não apenas repudiam a sentença, mas o julgamento em si, como se aquele tribunal fosse de exceção e eles vítimas de perseguições políticas. A insensibilidade moral do réus agora apenados é escandalosa.

Para ambos, realizar o que se chamou de mensalão não passou de ato de rotina daqueles que chegaram ao poder pelo voto, como se isso os tornasse plenipotenciários e acima do bem e do mal. Com o mensalão, fizeram apenas uma atalho para realizar a vontade do novo príncipe. A oposição legislativa era uma chateação e um obstáculo a ser superado, em face das limitações que impunha ao exercício do poder. Comprar os votos foi o caminho mais curto para fazê-lo.

Estamos aqui diante da mais crua convicção de que os fins justificam os meios. É a mesma ética deformada dos revolucionários que, nos anos sessenta, ousaram tomar armas contra o Estado brasileiro. Tudo em nome da missão messiânica que foi dada a si mesmos por eles.

É problema menor que ambos sejam essa frieza moral petrificada, que lhes veda o sentimento de culpa. O problema maior é perceber que parte ponderável da população endossa essa visão vitimizada da dupla. A prova mais dura dessa realidade é a pesquisa do Datafolha, que indica intenção de votos em Fernando Haddad, no segundo turno para a prefeitura de São Paulo, com consagradores 47%. Aqui podemos dizer que o crime revolucionário compensa e que os fins justificam os meios, de fato.

Vemos que um dos mais perversos frutos da revolução gramsciana que se desenvolve há décadas é esse embotamento moral, em que as pessoas deixam de saber diferenciar o certo do errado, o moral do imoral, o legal do criminoso. A imoralidade virou movimento de massas no Brasil, em movimento semelhante ao que se verificou na Alemanha de Hitler, tão belamente descrito no romance As Benevolentes, de Jonathan Littell. O Brasil, como a Alemanha de outrora, está prenhe de violência revolucionária. Basta conversar com os partidários de Fernando Haddad sobre o mensalão e suas consequência para se ver o ódio espumante que carregam. Essa gente com poder total fará pior que os nazistas.

A imoralidade como movimento de massa, como desdém à ordem legal constituída e a implícita delegação para que o partido dominante faça a sua agenda, a despeito das leis, é doença psíquica grave, de potenciais consequências nefastas. Por sorte o STF deu demonstração de vitalidade, dando a impressão de que a elite estamental do Estado ainda mantém um mínimo de lucidez. Mas bem vimos ministros lamentarem ter que inflingir sentença a José Genoíno e mesmo a José Dirceu, por carregarem supostamente uma bela biografia de revolucionários. Apavorante.

O que nos livra da barbárie final por enquanto é a legalidade e sua implícita moralidade. Mas é uma força frágil, que depende da inteireza moral dos governantes. Estamos vendo que essa condição moral está sendo pedida, mormente se Fernando Haddad se eleger prefeito de São Paulo em pleno julgamento do mensalão.

domingo, 14 de outubro de 2012

Quem roubou a cultura dos EUA?






Em algum momento, durante o século passado, alguém roubou nossa cultura. Há apenas 50 anos, na década de 50, os EUA eram um ótimo lugar. Era seguro, e era decente. As crianças recebiam boa educação nas escolas públicas. Até os trabalhadores braçais traziam para casa rendas de classe média, para que as mães pudessem ficar em casa e cuidar das crianças. Os programas de TV refletiam valores sadios e tradicionais.

Onde foi parar tudo isso? Como foi que os EUA se tornaram o lugar sórdido e decadente em que vivemos hoje, tão diferente que as pessoas que nasceram antes da década de 60 sentem como se estivessem em um país estrangeiro? Será que simplesmente “aconteceu”?

É claro que não. De fato, foi colocada em prática uma agenda deliberada para roubar a nossa cultura e deixar uma outra completamente diferente no lugar. A história de como e por que é uma das partes mais importantes da história dessa nação; e é uma que quase ninguém conhece. As pessoas por trás dela quiseram que fosse assim.

Basicamente, o que aconteceu foi que a cultura tradicional dos EUA, que se desenvolveu ao longo de gerações a partir das nossas raízes ocidentais e judaico-cristãs, foi desprezada por uma ideologia. Essa ideologia é mais conhecida como “politicamente correto” ou “multiculturalismo”. Na verdade, trata-se do marxismo cultural: o marxismo traduzido da economia para a cultura, em um esforço que data não da década de 60, mas da Primeira Guerra Mundial. Por incrível que pareça, à medida que o marxismo econômico da União Soviética se dissipava, um novo marxismo cultural se tornava a ideologia dominante das elites americanas. O objetivo nº 1 do marxismo cultural, desde que foi criado, é o de destruir a cultura ocidental e a religião cristã.

Para entender qualquer coisa, precisamos conhecer sua história. Para entender quem roubou a cultura americana, precisamos olhar para a história do “politicamente correto”.

O início da teoria marxista

Antes da Primeira Guerra Mundial, a teoria marxista dizia que se a Europa algum dia entrasse em guerra, as classes trabalhadoras de todos os países europeus iriam se revoltar, derrubar os governos e criar uma nova Europa comunista. Mas quando a guerra eclodiu em julho de 1914, não foi o que aconteceu. Em vez disso, os trabalhadores de todos os países europeus se juntaram aos milhões para lutar contra os inimigos do seu país. Finalmente, em 1917 ocorreu a Revolução Comunista, na Rússia. Mas as tentativas de espalhar a revolução para outros países falharam porque os trabalhadores não a apoiavam.

Após o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, os teóricos marxistas tiveram que se fazer a pergunta: O que deu errado? Como bons marxistas, não poderiam admitir que a teoria marxista estava incorreta. Em vez disso, dois dos principais intelectuais marxistas, Antonio Gramsci na Itália e Georg Lukacs na Hungria (Lukacs foi considerado o mais brilhante pensador marxista desde o próprio Marx), independentes um do outro, pensaram na mesma resposta. Eles disseram que a cultura ocidental e a religião cristã haviam cegado a classe trabalhadora dos seus verdadeiros interesses de classe marxistas de tal forma que a revolução comunista era impossível no Ocidente, até que esses dois elementos fossem destruídos. Esse objetivo, instituído como o objetivo do marxismo cultural desde o início, nunca mudou.

Antonio Gramsci

Uma nova estratégia

Gramsci expôs notoriamente uma estratégia para destruir o Cristianismo e a cultura ocidental, que se mostrou altamente bem sucedida. Em vez de exigir uma revolução comunista logo de cara, como fizeram na Rússia, ele disse que os marxistas do Ocidente deveriam tomar o poder político por último, após uma “longa marcha nas instituições”: as escolas, a mídia, e até as igrejas, todas as instituições que pudessem influenciar a cultura. Essa “longa marcha nas instituições” é o que os EUA experimentaram, principalmente desde a década de 60. Felizmente, Mussolini reconheceu o perigo representado por Gramsci e o colocou na cadeia. Sua influência se manteve pequena até a década de 60, quando seus trabalhos, principalmente os “Cadernos do Cárcere”, foram redescobertos.

Georg Lukacs se mostrou mais influente. Em 1918, ele se tornou comissário de cultura no curto regime bolchevique de Bela Kun na Hungria. Durante esse período, ao perguntar “Quem nos salvará da civilização ocidental?” ele instituiu o que chamou de “terrorismo cultural”. Um dos seus principais componentes foi a introdução da educação sexual nas escolas húngaras. Lukacs percebeu que se ele pudesse destruir a moral sexual tradicional do país, teria dado um enorme passo no sentido de destruir sua moral tradicional e sua fé cristã.

Longe de se unirem ao “terrorismo cultural” de Lukacs, a classe trabalhadora da Hungria ficou tão escandalizada que quando a Romênia invadiu a Hungria, os trabalhadores não lutaram pelo governo de Bela Kun, que acabou sendo derrubado. Lukacs desapareceu, mas não por muito tempo. Em 1923, ele apareceu em uma “Semana de Estudos Marxistas” na Alemanha, um programa patrocinado pelo jovem marxista Felix Weil, que havia recebido uma herança milionária. Weil e outros que estiveram naquela semana de estudos ficaram fascinados pela perspectiva cultural do marxismo apresentada por Lukacs.

A Escola de Frankfurt

Weil reagiu utilizando parte da sua fortuna para abrir um novo think tank na Universidade de Frankfurt, na Alemanha. Ele originalmente seria chamado de “Instituto para o Marxismo”. Mas os marxistas culturais se deram conta de que seria muito mais eficaz ocultar sua verdadeira natureza e seus objetivos. Eles convenceram Weil a dar ao novo instituto um nome que parecesse neutro, o “Instituto para Pesquisa Social”. Logo conhecida simplesmente por “Escola de Frankfurt”, o Instituto para Pesquisa Social se tornaria o lugar onde o politicamente correto, da forma como conhecemos, foi desenvolvido. A resposta básica à pergunta “Quem roubou a nossa cultura?” é: foram os marxistas culturais da Escola de Frankfurt.

Primeiramente, o Instituto trabalhou principalmente com questões marxistas convencionais, como o movimento trabalhista. Mas isso mudou drasticamente em 1930.  Naquele ano, o Instituto recebeu um novo diretor, o brilhante jovem intelectual marxista chamado Max Horkheimer. Horkheimer havia sido fortemente influenciado por Georg Lukacs. Ele rapidamente se esforçou em transformar a Escola de Frankfurt no lugar onde o trabalho pioneiro de Lukacs sobre o marxismo cultural pudesse ser desenvolvido até se tornar uma ideologia completa.

Para esse fim, ele trouxe alguns novos membros para a Escola de Frankfurt. Talvez o mais importante fosse Theodor Adorno, que se tornaria o colaborador mais criativo de Horkheimer. Dentre os outros novos membros estavam dois psicólogos, Eric Fromm e Wilhelm Reich, dois célebres promotores do feminismo e do matriarcado, e um jovem estudante de pós-graduação chamado Herbert Marcuse. 

Karl Marx
Avanços no marxismo cultural 

Com a ajuda desse novo sangue, Horkheimer fez três grandes avanços no desenvolvimento do marxismo cultural. Primeiro, ele derrubou a visão de Marx de que a cultura era meramente parte da “superestrutura” da sociedade, que era determinada por fatores econômicos. Ele disse, ao contrário, que a cultura era um fator independente e muito importante para moldar a sociedade.
Segundo, mais uma vez contrariando Marx, ele anunciou que no futuro, a classe trabalhadora não seria a agente da revolução. Ele deixou em aberto a questão de quem desempenharia esse papel, questão essa que foi respondida por Marcuse em 1950.

Terceiro, Horkheimer e outros membros da Escola de Frankfurt decidiram que a chave para destruir a cultura ocidental era cruzar Marx com Freud. Eles argumentaram que, da mesma forma que os trabalhadores eram oprimidos pelo capitalismo, assim todos, sob a cultura ocidental, viviam em um estado constante de repressão psicológica. “Liberar” todos dessa opressão se tornou um dos principais objetivos do marxismo cultural. E ainda mais importante, eles se deram conta de que a psicologia lhes oferecia uma ferramenta muito mais poderosa do que a filosofia para destruir a cultura ocidental: o condicionamento psicológico.

Hoje em dia, quando os marxistas culturais de Hollywood querem “normalizar” algo como o homossexualismo (“liberando”, portanto, as pessoas da “repressão”), eles colocam um programa de TV atrás do outro em que único homem branco aparentemente normal é um homossexual. É assim que o condicionamento psicológico funciona: as pessoas absorvem lições que os marxistas culturais querem que eles aprendam sem sequer perceberem que estão sendo ensinados.

A Escola de Frankfurt estava prestes a criar o politicamente correto. Mas, de repente, o destino interveio. Em 1933, Adolf Hitler e o Partido Nazista assumiu o poder na Alemanha, onde a Escola de Frankfurt estava localizada. Uma vez que a Escola era marxista, ideologia odiada pelos nazistas, e todos os membros da instituição eram judeus, eles decidiram deixar a Alemanha. Em 1934, a Escola de Frankfurt, incluindo os seus principais membros da Alemanha, foram reestabelecidos na cidade de Nova York, com a ajuda da Universidade de Columbia. E logo o seu foco foi transferido de destruir a cultura ocidental tradicional na Alemanha para fazê-lo nos Estados Unidos. Isso também se mostrou bastante bem sucedido.

Novos avanços

Aproveitando-se da hospitalidade americana, a Escola de Frankfurt logo deu prosseguimento ao seu trabalho intelectual de criar o marxismo cultural. Para as suas conquistas anteriores na Alemanha, ela acrescentou esses novos avanços.

A Teoria Crítica


Para cumprir o seu propósito de “negar” a cultura ocidental, a Escola de Frankfurt desenvolveu uma poderosa ferramenta chamada de “teoria crítica”. O que era essa teoria? A teoria era criticar. Ao sujeitar todas as instituições tradicionais, incluindo a família, a críticas persistentes e infindáveis (a Escola de Frankfurt teve o cuidado de nunca definir o que ela defendia, apenas o que reprovava), ela esperava destruí-las. A Teoria Crítica é a base dos departamentos de “estudos” que agora existem nas faculdades e universidades americanas. Não é de se surpreender que esses departamentos são a origem do politicamente correto acadêmico.

Estudos sobre o Preconceito

A Escola de Frankfurt buscou definir as atitudes tradicionais em todos os aspectos como “preconceitos” em uma série de estudos acadêmicos que culminaram no livro altamente influente de Adorno “The Authoritarian Personality” ("A Personalidade Autoritária”), publicado em 1950. Eles inventaram uma fraude chamada “escala F”, que buscava associar ao fascismo as crenças tradicionais com relação à moral sexual, às relações entre homens e mulheres e às questões familiares. Hoje em dia, o termo politicamente correto favorito contra qualquer um que discorda deles é “fascista”.

Dominação

A Escola de Frankfurt divergiu mais uma vez do marxismo, que argumentava que toda a história era determinada por quem possuía os meios de produção. Em vez disso, disseram que a história era determinada pelos grupos (definidos como homens, mulheres, raças, religiões, etc.) que tinham poder ou “domínio” sobre outros grupos. Alguns grupos, principalmente o de brancos do sexo masculino, foram rotulados de “opressores”, enquanto que outros grupos foram definidos como “vítimas”. As vítimas eram automaticamente boas e os opressores ruins, levando em conta apenas o grupo do qual faziam parte, independente do comportamento pessoal.

Embora fossem marxistas, os membros da Escola de Frankfurt também se utilizaram de Nietzsche (outra pessoa que eles admiravam por sua oposição à moral tradicional era Marquês de Sade). Eles incorporaram no seu marxismo cultural o que Nietzsche chamou de “transmutação de todos os valores”. O que isso significa, em linguagem clara, é que todos os antigos pecados se tornam virtudes, e todas as antigas virtudes se tornam pecados. 

O homossexualismo é bom e belo, mas qualquer um que pense que os homens e mulheres devem ter papéis sociais diferentes é um “fascista” malvado. É isso que o politicamente correto agora ensina às crianças nas escolas públicas pelo país. (A Escola de Frankfurt escreveu sobre a educação pública americana. Ela disse que não importava se as crianças estavam aprendendo quaisquer habilidades ou fatos. Tudo o que importava era que elas se formassem nas escolas com as “atitudes” certas em relação a determinadas questões.)

Mídia e entretenimento

Liderados por Adorno, a Escola de Frankfurt inicialmente se opôs à indústria cultural, que consideravam uma cultura “comoditizada”. Mas depois eles começaram a escutar o que dizia Walter Benjamin, um amigo próximo de Horkheimer e Adorno, que argumentava que o marxismo cultural poderia fazer um uso muito eficiente de ferramentas como o rádio, os filmes e mais tarde a televisão para condicionar psicologicamente o seu público. A visão de Benjamin prevaleceu, e Horkheimer e Adorno passaram os anos da Segunda Guerra Mundial em Hollywood. Não é por acaso que a indústria do entretenimento é agora a arma mais poderosa do marxismo cultural.

O crescimento do marxismo nos Estados Unidos

Após a Segunda Guerra Mundial e a derrota dos nazistas, Horkheimer, Adorno e a maioria dos outros membros da Escola de Frankfurt retornaram à Alemanha, onde o Instituto se reestabeleceu em Frankfurt com a ajuda das forças de ocupação americanas. O marxismo cultural na época se tornou a ideologia não oficial, mas predominante na República Federal da Alemanha.
Entretanto, o inferno não se esqueceu dos Estados Unidos. Herbert Marcuse ficou nos EUA e começou a traduzir todos os difíceis escritos acadêmicos de outros membros da Escola de Frankfurt para uma linguagem mais simples que os americanos entenderiam facilmente. Seu livro “Eros e Civilização” utilizou o cruzamento feito pela Escola de Frankfurt de Marx e Freud para argumentar que, se nós “libertarmos o Eros não procriador” por meio da “perversidade polimórfica”, poderíamos criar um paraíso de pura diversão e nenhum trabalho. “Eros e Civilização” se tornou um dos principais textos da Nova Esquerda na década de 60.

Marcuse também ampliou o trabalho intelectual da Escola de Frankfurt. No início da década de 30, Horkheimer havia deixado em aberto a questão de quem iria substituir a classe trabalhadora como agente da revolução marxista. Na década de 50, Marcuse respondeu a essa pergunta, dizendo que seria uma coalizão de estudantes, negros, mulheres feministas e homossexuais: o coração da rebelião estudantil da década de 60 e dos sagrados “grupos de vítimas” do atual politicamente correto. Marcuse mais tarde tomou uma das palavras favoritas do politicamente correto, “tolerância”, e lhe deu um novo significado. Ele definiu a “tolerância libertadora” como a tolerância para todas as ideias e movimentos que surgiam da esquerda, e intolerância como todas as ideias e movimentos que surgiam da direita. Quando você vê hoje os marxistas culturais pedirem “tolerância”, eles querem dizer a “tolerância libertadora” de Marcuse (assim como quando pedem "diversidade", querem dizer uniformidade de crença na sua ideologia).

A rebelião estudantil dos anos 60, motivada em grande parte pela oposição ao serviço militar obrigatório para a Guerra do Vietnã, deu a Marcuse uma oportunidade histórica. Talvez como o “guru” mais famoso da Escola de Frankfurt, ele injetou seu marxismo cultural na geração dos Baby Boomers. É claro, eles não entendiam do que realmente se tratava. Pelo princípio que existia desde o início do Instituto, Marcuse e outros poucos do círculo não anunciavam o politicamente correto e o multiculturalismo como uma forma de marxismo. Mas o efeito foi devastador: uma geração inteira de americanos, principalmente a elite universitária, absorveu o marxismo cultural como deles, aceitando a tóxica ideologia que buscava destruir a cultura tradicional e a fé cristã dos EUA. Aquela geração, que domina todas as instituições de elite nos EUA, agora trava uma guerra sem fim contra todas as crenças e instituições tradicionais. Em grande parte, eles ganharam essa guerra. A maior parte da cultura tradicional dos EUA está em ruínas.

Uma contra-estratégia 

Agora você sabe quem roubou nossa cultura. A questão é: o que nós, como cristãos e conservadores culturais, faremos a respeito?
Podemos escolher entre duas estratégias. A primeira é tentar retomar as instituições existentes (as escolas públicas, as universidades, a mídia, a indústria do entretenimento e a maior parte das grandes igrejas) dos marxistas culturais. É o que eles esperam que tentemos fazer, e estão preparados para isso; estaríamos com nada além de uma pequena voz e poucos recursos comparados aos deles, fazendo uma investida frontal contra posições defensivas de prontidão. Qualquer soldado pode lhe dizer que isso quase sempre leva a: derrota.

Há outra estratégia, mais promissora. Podemos nos separar, junto com nossas famílias, das instituições que os marxistas culturais controlam e construir novas instituições para nós, que nos reflitam e nos ajudem a recuperar a cultura ocidental tradicional.

Há muitos anos, meu colega Paul Weirich escreveu uma carta aberta ao movimento conservador sugerindo essa estratégia. Embora a maioria dos outros líderes conservadores (republicanos, melhor dizendo) hesitassem, a carta ressoou intensamente entre os conservadores de base. Muitos deles já fazem parte de um movimento para se separar da cultura corrupta dominante e criar instituições paralelas: o movimento de educação escolar em casa. Movimentos similares estão começando a oferecer alternativas sólidas em outros aspectos da vida, incluindo movimentos para promover pequenas fazendas familiares (geralmente orgânicas) e para desenvolver mercados comunitários voltados para os produtos dessas fazendas. Se o lema do Admirável Mundo Novo é “Pensar globalmente, agir localmente”, o nosso deveria ser “Pensar localmente, agir localmente”.

Portanto, a nossa estratégia para desfazer o que o marxismo cultural fez para os EUA tem um certo paralelo com a sua própria estratégia, da forma como expôs Gramsci décadas atrás. Gramsci convocou os marxistas para empreender uma “longa marcha nas instituições”. Nossa contra estratégia deveria ser uma longa marcha para criar as nossas próprias instituições. Isso não acontecerá rapidamente, ou facilmente. Será um trabalho de gerações, assim como foi o deles. Eles foram pacientes, pois sabiam que as “forças motrizes da história” estavam do lado deles. Não podemos ser igualmente pacientes e perseverantes sabendo que o Criador da História está do nosso?
 
Nota do editor: Este artigo foi extraído do novo livro do Dr. Ted Baehr e Pat Boone “The Culture-wise Family: Upholding Christian Values in a Mass Media World.” (“A Família do Ponto de Vista Cultural: Defendendo Valores Cristãos em um Mundo de Mídia de Massa”). No livro, o especialista em entretenimento, Dr. Ted Baehr, e o lendário músico Pat Boone recomendam que as pessoas façam decisões sábias para si mesmas e para suas famílias, para que possam proteger seus filhos das mensagens tóxicas da cultura.