Quando se pergunta o que um político fez em seu
mandato para justificar sua reeleição, é muito comum ouvir que tal político
ampliou a quantidade de pessoas beneficiadas pelo bolsa-família, construiu mais
hospitais públicos, trouxe mais unidades do SUS para a cidade, instituiu
escolas públicas voltadas para atender às necessidades especiais de crianças
marginalizadas, aprovou a lei de cotas para minorias ou desprivilegiados,
aumentou o seguro-desemprego, manteve o nível dos preços dos transportes
públicos ou ainda que aumentou o policiamento na cidade para a guerra ao
tráfico, trazendo maior sensação de segurança à população.
Chega quase a ser verossímil
acreditar que é desumano votar contra esses políticos e não ser a favor de
medidas como as listadas anteriormente, as quais não seriam possíveis sem o
aparato público. Sim, é verdade, as medidas que caracterizam o estado do
"bem-estar-social" não seriam possíveis sem este aparato, porque é
este justamente o responsável pelas ações cujas consequências tornam necessária
a própria intervenção estatal.
Confuso? Você vai entender melhor
quando reconhecer a semelhança que guarda as consequências de algumas políticas
públicas com o quadro psicológico desenvolvido por pessoas vítimas de
sequestro, vítimas dos cenários de guerra ou submetidas à grave violência
doméstica ou familiar. Esse quadro é mais comumente conhecido pelo nome de
Síndrome do Estocolmo e é bem caracterizado pelo trecho a seguir extraído da Wikipédia:
As vítimas começam por
identificar-se emocionalmente com os sequestradores, a princípio como mecanismo
de defesa, por medo de retaliação e/ou violência. Pequenos gestos gentis por
parte dos captores são frequentemente amplificados porque, do ponto de vista do
refém é muito difícil, senão impossível, ter uma visão clara da realidade
nessas circunstâncias e conseguir mensurar o perigo real. As tentativas de
libertação, são, por esse motivo, vistas como uma ameaça, porque o refém pode
correr o risco de ser magoado.
O fato é que as engrenagens que
movem esse aparato político têm dentes pequenos, mas afiados. As reentrâncias
compartimentadas em forma de ausência de informação são tão minúsculas que
tornam quase impossível às vítimas conseguirem discernir a realidade, isto é,
as causas daquilo que torna a situação tão penosa para elas.
É muito compreensível, então, que o
seguro-desemprego seja tão desejável quando existem inúmeros
impostos/"contribuições" e uma liberdade contratual tão escassa,
tornando o processo de contratação/demissão e abertura de novas empresas tão
demorada e custosa, que fica quase impraticável alguém sair do trabalho atual
para um novo em um curto período. Torna-se ainda mais compreensível, quando a
vítima é auxiliada por tal seguro, afinal é esta ferramenta que a impediu de
sofrer privações nesse período de transação.
É completamente plausível a vítima
ser a favor de ações de "distribuições de renda", quando o governo paga
seus títulos imprimindo dinheiro, distorcendo e inflacionando os preços no
mercado, e quando tributa acentuadamente produtos alimentícios. Torna-se até
quase irrefutável quando o benfeitor governo subsidia grandes fazendeiros de
modo a tornar a nossa comida mais barata para o exterior e mais cara para o
consumidor brasileiro!
É inteiramente factível a vítima ser
a favor de políticos que mantenham o preço das passagens de ônibus, quando
estes tomam sua renda e a usam para subsidiar uma gasolina taxada em mais de
100% sobre o custo e, ainda assim, cada vez mais aguada. É só você
imaginar o quanto essa tributação é convertida em ruas esburacadas e
engarrafamentos grotescos que você começa a entender que isso é o mínimo que se
pode pedir em um ambiente em que a iniciativa privada praticamente não tem
atuação, o transporte coletivo.
Chega a doer os olhos, assim como
dói quando você fica muito tempo no escuro e vê a luz exterior, de tão claro
que é o fato de o sistema público de saúde ser imprescindível quando o cidadão
de baixa renda possui péssimas condições de saneamento, esgoto, se alimenta
mal, fica estressado no trânsito e carece de serviços de prevenção médica.
Emociona, assim como emociona ouvir
o canto dos pássaros depois de nada mais ter escutado que silêncio e
pensamentos sombrios na sua cabeça, o bravo clamor à igualdade de oportunidades
que é propiciada pelo estado por meio de cotas, quando se é refém de um sistema
público básico, fundamental e médio de ensino de péssima qualidade que por si só
é um dos principais responsáveis pela manutenção da pobreza, da imobilidade
econômica de certos indivíduos e pela atratividade de atividades ilícitas em um
ambiente em que ser honesto exige cada vez mais sacrifícios.
É tão palpável a violência causada pelo
tráfico de drogas, a qual se materializa em diversos roubos e assassinatos, que
se torna absolutamente plausível ser a favor da proibição do consumo de
entorpecentes e a favor da guerra às drogas. É completamente
compreensível (e aqui, como nos parágrafos anteriores, falo com toda
sinceridade) ser a favor da proibição quando você teve um parente vítima da
violência causada pela guerra ao tráfico ou vítima do vício irrefreável das
drogas. Sim, admito e me compadeço, podem acreditar; mas ainda assim é necessário
enxergar que quem lhe leva à guerra é o mesmo que lhe cede a arma e o condecora
ao término, vivo ou morto. Quem combate o tráfico é o mesmo que confere a
pessoas de má índole o monopólio da comercialização de drogas e, portanto, lhes
confere poder.
Há indivíduos que argumentam, e esse
tipo de argumento não provém de vítimas dessa situação, que pessoas que estão
no estado de baixa renda não teriam condições de ter suas necessidades
atendidas pela iniciativa privada. Porém, elas realmente o são agora pelo
sistema público? Se a população não tem condições de arcar com o custo de
hospitais e escolas privadas, por que ela teria condições de pagar,
sumultaneamente, por péssimos hospitais, por péssimas escolas públicas e,
principalmente, por uma péssima administração pública para administrá-los?
A iniciativa privada no âmbito principalmente da educação, saúde e
empreendedorismo é realmente livre ou também é refém, afinal?
Para a última pergunta, eu diria que
sim, a iniciativa privada infelizmente também é refém, mas é uma vítima que
talvez se torna menos alheia à própria situação, e, mesmo sob condições
adversas, é capaz de operar alguns milagres por ter uma janela de reação
maior. É assim, sob condições adversas ao empreendedorismo, que médicos
do Sírio e do Einstein abriram uma clínica na entrada da favela de Heliopólis, em
São Paulo (veja aqui).
É assim, sob condições que no Brasil denominamos de penúria, que em Gana
pais ganhando cerca de cinquenta dólares por semana preferem matricular seus
filhos em escolas particulares às públicas disponíveis (veja este vídeo).
A visão de quem foi vítima desse
aprisionamento de idéias, sem dúvida, merece ser respeitada, porém urge que
chamemos a atenção para o fato de que o melhor médico não é necessariamente
aquele que um dia contraiu a doença que está combatendo. A realidade,
infelizmente, pode não ser a mesma para todos, mas a razão ainda segue ao lado
daqueles que enxergam um pouco mais longe e conseguem vislumbrar o jogo por um
ângulo melhor. Daqueles que percebem isso a tempo antes de serem acometidos por
esse estado nada saudável de coisas, o estado da Síndrome de Estocolmo.
Johel
Rodrigues é aluno do 5º ano de Engenharia de Fortificação e Construção
do Instituto Militar de Engenharia.
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