Embora todos os meses tenhamos de lidar com o monstro "retendo na
fonte" uma considerável fatia da nossa renda, é no final do mês de abril
que o imposto de renda se torna uma forma de espoliação ainda mais explícita e
ainda mais insultuosa para o cidadão, que é obrigado a entregar ao governo —
tal qual um cidadão da Alemanha Oriental perante o STASI — um relato minucioso
de todas as suas movimentações e fontes de renda.
A declaração do imposto de renda tanto de pessoa física quanto de pessoa
jurídica é um exercício que mostra perfeitamente por que somos duplamente
escravos do governo: além de termos de entregar parte da nossa renda para os
burocratas, o governo ainda nos força a fazer todo o trabalho de declaração
gratuitamente, sob ameaça de encarceramento caso algum detalhe seja esquecido.
Exatamente por isso, é compreensível que alguns economistas pró-livre
mercado defendam a abolição de todas as formas de imposto sobre a renda,
substituindo essa modalidade de espoliação por um imposto sobre o consumo, algo
supostamente menos tirânico. Afinal, com um imposto sobre o consumo, diz
o argumento, você pelo menos pode evitar a tributação: basta não consumir
determinado produto.
Recentemente, fui perguntado por um jornalista sobre essa questão de uma
alternativa aos impostos sobre a renda. Eis a minha resposta.
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A alternância de impostos é um dos truques favoritos do governo.
Sendo assim, economistas que defendem esta política estão atuando exatamente
como o governo deseja.
Quando incorre neste engodo, o governo se utiliza do prospecto de
reduzir um determinado tipo de imposto para ganhar apoio popular para elevar
outro tipo de imposto. Frequentemente, ele reduz alguns impostos sobre o
consumo com o intuito de elevar outros impostos sobre a renda do cidadão e a
receita das empresas [no Brasil, há o truque de reduzir o IPI, a CIDE e o
IOF e elevar a COFINS e a CSLL]. Mas há também exemplos da medida
inversa: uma redução de impostos sobre a renda do cidadão e a receita das
empresas e uma subsequente elevação de impostos que incidem sobre o valor final
dos bens de consumo. [Como quando o governo concede uma redução
da contribuição para o INSS, ou uma redução das alíquotas do imposto de renda
de pessoa jurídica ou alguma outra isenção fiscal para um determinado setor em
troca de um aumento do IPI e da CIDE em outros setores].
O segredo para entender o real objetivo desta trapaça é saber que o
governo está sempre atrás de mais dinheiro, e ele irá conseguir este dinheiro
adicional de um jeito ou de outro. Fazer um zigue-zague entre um método e
outro não altera a realidade. Mas é indiscutivelmente um método que pode
enganar os mais tolos. E pode também arrancar uma substancial quantia de
dinheiro dos grupos afetados durante o período de transição.
Uma maneira particularmente útil de entender esse processo é imaginando
um ladrão que promete que irá parar de arrombar a sua casa pela porta da frente
se você deixar aberta a porta dos fundos. Quando o estado promete reduzir
a tributação da sua renda em troca de um aumento da tributação do seu consumo,
ele está agindo de maneira idêntica a este assaltante. A questão não é o
método do assalto, mas sim a quantia auferida pelo roubo.
O argumento dos economistas em prol de os impostos incidirem
majoritariamente sobre o consumo em vez de sobre a renda dos indivíduos e das
empresas se baseia nestas cinco alegações:
1. O imposto sobre o consumo ao menos é voluntário:
só paga quem consome
Embora a afirmação seja verdadeira, o fato é que um imposto sobre o
consumo é tão coercivo quanto qualquer outro imposto. Com um imposto
sobre a renda, se eu tenho uma receita e não pago o imposto sobre ela, posso
ser multado e encarcerado. Com um imposto sobre o consumo, se eu consumir
um item tributado e o comerciante não pagar o tributo, ele será multado e
encarcerado. Em ambos os casos, um cidadão está sendo punido pelo estado.
É verdade que eu posso optar por não consumir aquele item. Mas,
pelo mesmo raciocínio, com um imposto sobre a renda, eu posso optar por não ter
renda nenhuma.
O fato é que nada é voluntário se eu não posso me eximir de
participar. Não existe esse negócio de 'imposto voluntário'. Se
existisse, seria chamado por algum outro nome. [No Brasil, país em que
o governo é mais avançado, o termo 'contribuição' já é corriqueiro, o que mostra
que a população caiu no engodo do governo].
2. Impostos sobre o consumo não oneram a produção.
Falso. Oneram sim. As empresas — principalmente as pequenas,
que operam em ambiente concorrencial — não determinam seus próprios preços, o
que significa que elas não podem simplesmente repassar integralmente o imposto
sobre o consumo para o consumidor. Se elas pudessem aumentar seus preços
sem que isso afetasse seus lucros, elas já teriam feito isso; não seria
necessário utilizar a desculpa do imposto para encarecer seus produtos.
Quando o governo impõe um novo tributo sobre os produtos de uma empresa,
tudo o mais constante, essa empresa terá de absorver em suas operações o custo
deste novo imposto. Desta forma, o imposto sobre o consumo é um imposto
sobre a produção, sobre os salários, sobre o investimento, sobre a pesquisa e
sobre todos os outros aspectos da vida econômica.
3. O imposto sobre o consumo é mais simples e menos
oneroso para ser coletado
Supondo que isso seja verdade, por que isso seria algo bom? Um
imposto difícil de ser coletado significa que a tentação para se elevá-lo é
menor. No que mais, um imposto sobre o consumo pode ser fácil de ser
coletado a uma alíquota de 1%. No entanto, substituir o imposto de renda
por um imposto nacional sobre o consumo exigiria uma alíquota acima de
20%. Isso jogaria os mercados no caos e criaria da noite para o dia um
mercado paralelo em absolutamente todos os bens e serviços, o que daria ao
governo uma perfeita desculpa para aumentar maciçamente seu despotismo e seus
controles, o que certamente levaria à imposição de um registro compulsório de
informações de transações.
4. Um imposto sobre o consumo não tributa a
poupança
No geral, isso é verdade. Mas o governo não tem de assumir para si
o papel de incitar a população a um determinado padrão de consumo e de
poupança. Isso cabe a cada indivíduo decidir para si próprio.
Poupar é ótimo quando tal ato reflete uma preferência individual. O mesmo
pode ser dito para o consumo. Mas não há como saber a priori qual deve
ser a proporção correta entre poupança e consumo.
E vale a pena refletir o seguinte: o grau em que um imposto sobre o
consumo desestimula o consumo é o mesmo em que ele reduz as receitas do
governo. Como é que um governo ávido por arrecadação vai lidar com esse
paradoxo?
5. O imposto sobre o consumo, quaisquer que sejam
seus problemas, ao menos não é progressivo.
Muito barulho é feito com essa questão das alíquotas progressivas do
imposto de renda, de modo que vários economistas liberais se dizem a favor de
uma alíquota única para o imposto de renda. Mas pense desta forma: você
preferiria pagar um imposto de renda com uma alíquota única de 40% ou
preferiria tentar encontrar brechas em um sistema que possuísse 20 alíquotas
diferentes indo de 1% a 39% (tudo o mais constante)? Se você soubesse que
pagaria menos sob um sistema progressivo, é este que você iria preferir.
Os defensores do imposto sobre o consumo, principalmente aqueles que
alegam defender o livre mercado, devem urgentemente redirecionar suas energias:
esqueçam o método da tributação e concentrem-se no nível da tributação.
Adotem aquele princípio geral e universal que diz que, quaisquer que sejam os
impostos existentes, eles têm de ser reduzidos. Voltando àquela analogia
do assaltante de residências, o sistema ideal é aquele que deixaria todas as
portas e janelas completamente lacradas.
Defensores da liberdade e do livre mercado não devem querer reformar
impostos. Nossa batalha deve se concentrar na redução — e posterior
eliminação — de todos eles, começando pelo imposto de renda. Isso não é
nada irrealista. Uma abolição do imposto de renda de pessoa física e
jurídica deixaria o governo [do
Brasil] com a mesma arrecadação total de 2006. Por
acaso o governo era tão intoleravelmente pequeno naquela época?